Fico pensando na Rifenha de Vimianço, na bipolar tipo II que vive na Galiza e mantinha um blog. O que ela estará fazendo agora?
Se ela ainda vive na fazenda de sua irmã, ainda deve mirar pela janela de seu quarto, avistando ao longe, toda noite, a fachada da Churrascaria Santos com o seu letreiro cor-de-rosa. Ignoro se a Rifenha já foi a essa churrascaria, ignoro se ela a frequentava. Tudo o que sei é que a churrascaria estava lá, ao alcance de seus olhos, assim como o vale de Vimianço.
Deve ser curioso avistar um mundo do qual não somos parte ou não nos sentimos parte. Durante muito tempo a Rifenha manteve-se afastada do mundo externo, reclusa devido a uma depressão. Ela tinha o mundo inteiro lá fora, mas não o frequentava. Não digo que Vimianço seja uma grande cidade como Madri ou Barcelona, ambas também na Espanha, mas ao menos Vimianço era o mundo de que a Rifenha dispunha para o seu dia-a-dia. Vimianço podia não ser muito, só um valezinho na Galiza, mas era o mundo da Rifenha.
Ela ainda frequenta Vimianço? Ela ainda frequenta este nosso mundo? Ignoro a resposta...
A Rifenha não deixava de olhar além da janela, avistando o casal de garças e os postes de cimento onde pousava o gavião que ela observava e pretendia fotografar. Mas, se ela aparecia junto à porta, o gavião a via e batia asas, voando para outro poste, mais afastado. É triste, muito triste que uma pessoa procure aproximar-se de um ave, de um animal quando está em depressão. Os outros seres humanos não deveriam lhe inspirar mais confiança?
Há quem não esteja em depressão e afaste-se dos demais, isolando-se também. Como censurar a Rifenha? Talvez a mente deprimida dela seja mais sensata que a dos sãos deste mundo, que não conhecem depressão nem a Rifenha de Vimianço...
O gavião ainda deve voar por lá, pela fazenda da irmã da Rifenha. Com sorte, deve haver ratos e outros pequenos roedores por lá, de modo que o gavião deve estar gordo e bem-nutrido neste verão, recuperando o peso que perdeu no inverno, quando há escassez de alimentos. Neva na Galiza no inverno, no Noroeste da Península Ibérica. Sim, no hemisfério Norte onde vive a Rifenha, agora é verão. Mas o que terá sido dela? Espero que também esteja gorda e bem-nutrida como o gavião, mas não servindo-se do mesmo cardápio, é claro. Talvez a Churrascaria Santos, tão perto para a maioria das pessoas e tão longe para a Rifenha durante a depressão que ela experimentou, tenha lhe proporcionado alguma refeição satisfatória estes dias. Será? Ignoro tudo o que a Rifenha viveu desde 2010 para cá, porque desde então ela não publicou nada em seu blog.
Outro sinal de vida? Nenhum.
Nunca ouvi a voz da Rifenha, mas este seu silêncio em seu blog, este seu silêncio virtual, faz com que as dúvidas surjam. Será que ela se cansou do blog? Será que anda ocupada com coisas mais alegres ou deixou de ter acesso à Internet? Talvez. Mas deixemos de imaginar o que terá acontecido com ela. Não cheguemos a imaginar coisas tristes. Paremos por aqui.
Seu psiquiatra ainda deve estar atendendo em La Coruña, ou melhor, n'A Corunha como ela diz, porque ela fala galego. Sua irmã ainda deve estar vivendo na fazenda. O casal de garças, se procriou nesta última primavera do hemisfério Norte, deve estar alimentado as crias com as minhocas e os insetos da fazenda. Só espero que o gavião não coma os filhotes do casal de garças. Seria triste. Seria muito triste.
Mas haveria outra primavera, outra estação de acasalamento o próximo ano, e o casal de garças voltaria a se reproduzir. Não seria tão triste. A vida voltaria com a primavera. Haveria outros ninhos, outros ovos, outros piados.... Mas e a Rifenha? Certamente Vimianço com suas colinas ainda está lá, mas e a Rifenha de Vimianço? Ainda estará lá?
Perguntarei ao gavião. Perguntarei ao casal de garças...
A Rifenha tinha duas janelas para observar o mundo. Uma delas era o seu computador, que ela usava para publicar em seu blog. A outra era a janela de seu quarto, que dava para o vale. A primeira ela parece ter fechado, porque já não atualiza o blog. Mas e a segunda? Também terá se fechado para o mundo?
Perguntarei ao gavião. Perguntarei ao casal de garças... Perguntarei a alguém na Churrascaria Santos, se algum dia eu for à Galiza...
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A Janela (texto da Rifenha, traduzido)
É necessário? Não, não é necessário (texto da Rifenha, traduzido)
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