sábado, 23 de julho de 2011

Mundo Bipolar: "Loucos e Santos" é composição de Oscar Wilde?


OSCAR WILDE: ESCRITOR
IRLANDÊS ERA BIPOLAR
Por um segundo pensei em publicar o poema Loucos e Santos, do Oscar Wilde, aqui no Mastigando Estrelas. Mas mudei de ideia. Por quê? Ora! O poema simplesmente não é dele, mas de Marcos Lara Resende...

Há vários textos circulando pela Internet, atribuídos a este ou aquele autor, mas na verdade a autoria dos textos é bem outra...

O poema, na verdade, chama-se Amigos Loucos e Sérios. O primeiro verso dele, Meus amigos são todos assim..., costuma ser omitido. Daí que podemos encontrá-lo na Net com mais de um título, e geralmente começando pelo segundo verso...

Loucos e Santos é o título mais popular. O segundo verso, convenhamos, também é mais chamativo para começar o poema, atraindo a atenção do leitor...

Mas, se você tentar achar o original em inglês, o que acontece? Encontrei um poema chamado Crazy and Saints (Loucos e Santos) e o texto em inglês corresponde ao texto em português. Mas o texto em inglês não aparecia em nenhum site confiável... Como confiar?

Consultando sites confiáveis, não encontrei o poema nem menção a ele. Visitei sites sobre Literatura Inglesa, escritos em inglês, obviamente. Visitei sites especializados na reprodução de poemas, como Poem Hunter, onde há 116 composições originais de Wilde.

Restou-me o site da Ana Maria Braga, em português. Nele Loucos e Santos (ou melhor, Amigos Loucos e Sérios) aparece atribuído a Lara Resende, mas não a Wilde... Confiável? Parece que agora sim... Porque o poema havia sido publicado como de Wilde nesse site, até que, mais tarde, fizeram a correção devido a e-mails recebidos, alertando sobre o equívoco...
 
Mas por que o texto é tão comumente atribuído ao escritor irlandês? Talvez seja porque há, em O Retrato de Dorian Gray, uma frase muito semelhante ao primero verso de Loucos e Santos:

I choose my friends for their good looks, my acquaintances for their good characters, and my enemies for their good intellects. A man cannot be too careful in the choice of his enemies.
Traduzindo:
Escolho os meus amigos pela sua boa apresentação, os meus conhecidos pelo seu bom carácter e os meus inimigos pela sua boa inteligência. Um homem não pode ser muito exigente na escolha dos seus inimigos.
Lembra bastante o segundo verso de Loucos e Santos:
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Talvez daí tenha nascido essa confusão sobre a autoria do poema. Confusão ou má-fé, nunca se sabe... Mas a confusão (quero crer que seja confusão) se espalhou pela Web como uma praga, incluindo sites respeitados...
 
Encontrei Loucos e Santos numa página sobre Oscar Wilde, na Wikiquote, site de informação semelhante à Wikipédia. Mas, se o poema é realmente de Wilde, por que ele aparece em português sem menção a tradutores na Wikiquote? O poema foi vertido à nossa língua pela mão do acaso?
 
Você também pode encontrar este poema, atribuído a Wilde, no Pensador UOL.
 
Mas o que acontece com sites como Wikiquote e Pensador UOL? Os textos que aparecem neles são provenientes dos Internautas, qualquer um pode reescrever esses textos a qualquer momento, de modo que não há uma fonte identificada que possamos chamar de confiável. Seja como for, para fazer justiça a estes sites, os textos da Wikipédia, por exemplo, raramente passam mais do que algumas horas com alguma informação errada, porque há tantos milhares de internautas visitando essa página, que mais cedo ou mais tarde um conhecedor do assunto corrige a informação...
 
Já em listas de "obras falsas divulgadas pela mídia", Loucos e Santos sempre aparece como de Lara Resende e, não, de Wilde...
 
É claro que não vasculhei toda a Internet, nem poderia, mas tive o cuidado de visitar ao menos algumas páginas...
 
Agora, deixemos o mundo virtual... Não deveríamos procurar por esse poema de Wilde em obras impressas, os famosos livros de papel? Não se encontra esse poema, ao menos ninguém parece encontrá-lo, nas obras completas do irlândes Wilde... Mas tampouco parece haver um livro (alguém aí sabe de um?) com este poema publicado como sendo de Lara Resende (que não deve ser confundido com Otto Lara Resende, para que esta confusão não seja ainda maior...). Talvez o poema tenha sido publicado numa revista ou tenha apenas circulado entre amigos de Lara através de cartas, como saber?, vazando para a Internet de modo que já não identificamos facilmente uma fonte...
 
Mas basta! Vamos ao poema, com seu título original, incluindo aquele primeiro verso geralmente omitido.



Amigos loucos e sérios
 
Meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade.
Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Louco que senta e espera a chegada da lua cheia.
Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.
Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Pena, não tenho nem de mim mesmo, e risada, só ofereço ao acaso.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos, nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice.
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto, e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou, pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.
                                                                                                       

       
                                                                                     Marcos Lara Resende


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