O que os leigos deveriam saber sobre bipolares

Diferentemente do que muitos pensam, ser bipolar não é estar triste num momento e alegre no outro, não é ficar indeciso sobre viajar para Nova York ou trocar os móveis da sala, porque o dinheiro não é suficiente para ambas as coisas, não é fazer tudo por puro capricho ou de veneta.

Todos nós ficamos alegres ou tristes quando temos motivos, o que é muito natural. Todos nós temos sentimentos e reagimos às circunstâncias, porque estamos colados à realidade e não podemos fugir dela, ao menos não para muito longe se somos realistas e temos os pés no chão.

Mas inclusive os sonhadores e os otimistas não deixam de reagir às circunstâncias ou ao mundo externo. A diferença é que um sonhador ou um otimista se alegra com coisas que ele enxerga no futuro, coisas nas quais acredita, não deixando de encontrar motivos no mundo externo para ser contente... O otimismo não vem do nada.

Quem se desespera ou perde as esperanças também enxerga no presente ou no futuro algo que o desalenta, não deixando de ser uma reação ao mundo externo. Há motivos, portanto.

Mas um bipolar é diferente. Um bipolar passa por momentos de euforia ou depressão que independem do mundo externo ou das circunstâncias. Um bipolar não precisa de motivos para sua euforia ou depressão. É claro que ele pode ter motivos para estar feliz ou triste e, ao mesmo tempo, estar numa fase de mania ou depressão. Nada impede que haja essa coincidência. Sua promoção no emprego pode coincidir com o início de uma crise eufórica.

Embora fatores externos possam contribuir para as crises ou até mesmo desencadeá-las, eles não deveriam ser vistos como justificativas para as crises. O transtorno bipolar torna tudo diferente...

De modo geral, com o tempo a depressão começa a vir sem motivo aparente, e o bipolar já não sabe por que sofre, já não encontra no mundo externo os motivos de seu sofrimento. Isso, de modo algum, pode ser confundido com tristeza.

Veja: Se o bipolar está numa crise de euforia, o mundo à sua volta pode dar a ele motivos para ser triste, mas, enquanto durar a fase de euforia, seu humor continuará elevado. Não haverá o que chamamos de tristeza. Talvez o bipolar se irrite porque foi contrariado ou porque alguém lhe mostrou que está sendo exagerado, mas ele não vai “baixar a bola” enquanto a fase eufórica não passar ou não for estabilizada com medicamentos...

E isso é o que muitos não entendem. O bipolar não está eufórico porque quer ou porque encontrou motivos para estar, mas devido a fatores internos que ele não pode controlar. O bipolar não pede que seu humor se eleve, nem pode pedir que volte ao normal. Não é algo que depende do bipolar. Não é algo que obedece a fatores externos. O mesmo acontece com respeito à depressão. Sendo assim, é pouco sensato, por parte de familiares e amigos, pedir que o bipolar “baixe a bola” durante as fases de euforia ou que ele se anime durante as de depressão... Afinal, ninguém dá o que não tem. E, sem medicamentos, o bipolar não pode ter o controle de seu humor durante as crises. É necessário recorrer à medicação para que o humor seja estabilizado, isto é, para que o humor deixe de estar elevado ou deprimido...

Se o bipolar se encontra numa fase depressiva, por exemplo, isso nem de longe é o mesmo que estar triste. A depressão obedece a fatores internos: não adianta contar uma piada, fazer convites para festas ou oferecer o que antes o alegrava. Porque agora é diferente. Enquanto durar a fase depressiva, o bipolar reagirá de modo depressivo ao mundo externo, às circunstâncias. A depressão, assim como a euforia, obedece a fatores internos, ditando ao bipolar como ele reagirá ao mundo aqui fora.

O bipolar, durante as crises, tem um mundo dentro de si que não se comunica com este aqui. Você não pode esperar que um bipolar veja o mundo com os mesmos olhos que você se ele por acaso está numa fase depressiva ou eufórica. Não será o mesmo mundo para ambos. Vocês podem estar lado a lado, mas não estarão pisando o mesmo chão ou vendo a mesma paisagem... Se um bipolar está deprimido e atravessa um deserto durante o dia, para ele o mundo será frio e cinza... Se ele está eufórico, atravessará neve e frio e se sentirá aquecido.

Nas fases de euforia, tudo é possível para o bipolar. Nas de depressão, até levantar-se da cama pode ser uma tarefa árdua.

A depressão, assim como a euforia, deve ser controlada com medicação. Sem remédios, uma crise maníaca pode durar meses ou mais, uma crise depressiva não controlada por medicamentos pode se manifestar por um tempo ainda maior...

A melhor intervenção por parte de familiares é procurar ajuda médica. A melhor intervenção da parte de amigos é indicá-la. Não há soluções caseiras como conselhos, repreensões ou castigos... E, quanto antes venha a ajuda médica, melhor. Estar atento ao que é tristeza, para não confundi-la com depressão, é fundamental. A tristeza, este sentimento universal que todos experimentamos, não é doença, mas a depressão sim. De igual maneira, a alegria é um sentimento, mas a euforia vai muito além desta alegria ou do excesso de energia.

Não confundir uma coisa com a outra pode ser a diferença entre um diagnóstico precoce de transtorno bipolar e um período grande de sofrimentos desnecessários. Não espere que algo grave aconteça. Se você desconfiar de algo, procure ajuda profissional imediatamente. Se não for nada, melhor ainda...

Mas, como muitas pessoas fecham os olhos para os sintomas, imaginando que não é nada, que vai passar, muitos bipolares deixam de receber o diagnóstico precocemente e o tratamento adequado. Leva-se em média dez anos, uma década, até que o diagnóstico correto chegue. Enquanto isso, entretanto, o sofrimento pode ser grande. Não ter controle sobre o próprio humor leva o bipolar a fazer coisas que ele não faria se não fosse o transtorno bipolar. Há uma força maior que o rege nesses momentos.

Nas fases de euforia, ele pode se expor a situações perigosas, arriscando a própria existência sem perceber, à vezes ferindo-se ou perdendo a vida. Ele pode estar mais aberto a relacionamentos com outras pessoas, ao abuso de álcool, etc. Pode sentir-se superior aos riscos ou às dificuldades que surjam à sua frente, mesmo que ele na verdade não seja capaz de enfrentar esses riscos sem prejuízo de sua pessoa ou de superar essas dificuldades. Nas fases de euforia, ele reage “de mais” ao mundo externo, de modo desproporcional às circunstâncias.

Nas fases depressivas, acontece o contrário. Ainda de forma desproporcional, agora ele reage “de menos” ao mundo externo; é menos capaz de se impor aos demais ou às circunstâncias. Ele perde o ânimo inclusive para tarefas que antes podia cumprir facilmente ou para divertimentos que antes lhe satisfaziam. Ainda assim, existe o risco de que o bipolar atente contra a própria vida, agora de maneira intencional.

Como vemos, existem riscos à integridade física ou à vida tanto na euforia como na depressão. Ambas as fases são dois lados da mesma moeda, e nenhuma delas deveria ser negligenciada. Estar alegre é bom, mas estar eufórico pode ser perigoso e triste...

Como eu disse acima, não confundir alegria com euforia, não confundir tristeza com depressão pode fazer a diferença. Toda. Pode ser a diferença entre uma vida normal desde o início da doença e aqueles dez anos sem o tratamento adequado. Pode ser a diferença entre uma tentativa de suicídio e uma vida produtiva ou feliz. Pode ser a diferença entre ter um familiar ou um amigo bipolar à sua volta e perdê-lo por negligência...

É claro que o transtorno bipolar pode manifestar-se de outras maneiras. Às vezes euforia e depressão se juntam ou se alternam de tal modo, que formam uma só fase, chamada “mista”. Mas com este texto você já começa a ter uma ideia do que é ser bipolar. É muito mais que estar alegre num momento e triste no outro. É uma condição particular, quase nunca compreendida por terceiros. É o assunto da moda, mas entendido superficialmente como tudo aquilo que não é objeto de estudos ou reflexão.

Reduzir o estigma e estimular o tratamento são as melhores ações que podemos empreender a respeito do transtorno bipolar. Faça sua parte. Se você deseja saber mais sobre o assunto, visite regularmente páginas sobre o tema na Internet ou torne-se seguidor delas.

Segundo certos números, incluídas as formas mais brandas do transtorno, há 14 milhões de bipolares no Brasil...

Será que você realmente não conhece nenhum bipolar? Olhe de novo à sua volta... Mas lembre-se de que, com informação, se enxerga melhor...


Breno Melo