quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Transtorno Bipolar: Onde está Wally?

Se há 14 milhões de bipolares apenas no Brasil, onde eles estão? Certamente, estão mais próximos do que imaginamos ou podemos perceber...

14 milhões é mais que a população de vários países vizinhos, como Uruguai, Paraguai ou Bolívia; é mais que a população de alguns países europeus, como Bélgica, Portugal ou Suécia. É o que poderíamos chamar de “Nação Bipolar” e ela vive em território nacional, dentro de nossas fronteiras...

Sendo assim, onde estão os bipolares, que não os vemos?

Para que falemos em 14 milhões, temos que levar em conta o Espectro Bipolar, isto é, também devemos considerar as formas mais brandas ou sutis do transtorno. Já não estamos falando exclusivamente de bipolares do tipo I ou II.

Obviamente, os bipolares do tipo I são mais fáceis de identificar que os do tipo II ou aqueles que sofrem de episódios inespecificados. Uma fase de mania durará pelo menos uma semana e nos mostrará a euforia em todo o seu esplendor, por assim dizer, especialmente se vier acompanhada de delírio ou alucinação. Uma fase depressiva, que culmine numa tentativa de suicídio, tampouco passaria tão despercebida...

Mas os bipolares do tipo I não representam mais que 1% ou 2% da população, isto é, 2 ou 4 milhões de brasileiros. Em outras palavras, os casos mais graves são minoria. Provavelmente você não conhecerá mais que um bipolar clássico ou do tipo I se você tiver pelo menos 100 amigos e os conhecer bem, muitíssimo bem, para que talvez note algo... Ainda assim, por que mesmo os casos mais graves não são tão rapidamente identificados? Não poderíamos sequer dizer que a medicação anulava os sintomas, já que, em média, os bipolares apresentam sintomas por uma década ou quase, até que recebam o diagnóstico correto e comecem a ser medicados adequadamente.

Sem o diagnóstico correto, não há o tratamento adequado.

Durante 7,5 ou 10 anos em média, amigos, familiares e até alguns profissionais da área veem um bipolar, mas não o enxergam. Wally está bem à frente, mas ninguém encontra Wally... Maridos não percebem que suas esposas são bipolares e convivem com elas diariamente. Alguns profissionais da área diagnosticam o bipolar com depressão monopolar ou outras doenças, mas não com transtorno bipolar...


Como identificar um bipolar?

Comecemos com um bipolar do tipo I, mas aquele que passa necessariamente por fases de mania e de depressão e períodos de vida normal.

Imagine que alguém experimente: 1) uma fase de humor elevado que dure pelo menos uma semana, podendo durar meses; 2) uma fase de humor deprimido que dure ao menos duas semanas, podendo durar vários meses; e 3) um período de vida normal entre essas fases, isto é, um período em que o humor não esteja elevado ou deprimido.

Basta que 1 e 2 aconteçam uma única vez, mesmo que entre 1 e 2 haja um período de vida normal de muitos anos, para caracterizar um transtorno bipolar. Mas quem notaria essas fases? Quem, percebendo-as, não buscaria justificativas para elas, como o fim de um casamento ou uma promoção no emprego? Quem ligaria uma à outra, especialmente se houvesse um bom intervalo de meses ou anos entre elas?

Além do mais, o humor elevado ou deprimido precisa de uma referência para que seja melhor apreciado. Os períodos de vida normal entre uma fase e outra são uma boa referência. O período de vida anterior ao aparecimento dos primeiros sintomas é ainda melhor, porque entre uma fase e outra pode haver alguns sintomas leves ou flutuantes.

Mas o que significa “humor elevado”? Vejamos um bom exemplo prático. Imagine uma garota tímida, medrosa ou que nunca se excede com homens ou bebida. Não seria estranho se ela começasse a ser muito desinibida, “corajosa” ou atrevida em situações em que, antes, não agia assim? Tampouco não seria estranho se este comportamento durasse uma semana ou mais, acabando depois? Provavelmente você encontraria justificativas corriqueiras para esse comportamento dela, mas realmente haveria essas justificativas? Como eu disse, ao “avaliar” alguém procure se lembrar de seus períodos de “humor elevado”, que talvez estejam afastados, no tempo, de seus períodos de “humor deprimido”.

Tenha em mente, além do mais, que “humor elevado” pode envolver não só bom-humor exagerado e excesso de energia, mas também irritação, dificuldade de concentração, distração fácil com o que acontece em volta, etc.

Mas como identificar o “humor deprimido” nessa garota tímida, medrosa, que nunca se excede? Como eu disse, leve em conta períodos de “vida normal” para que você tenha um ponto de referência. Ser tímida, para uma garota tímida, é normal. Fugir disso para muito mais ou para muito menos, durante um período considerável de tempo e depois voltar “ao normal”, já seria digno de nota. Por que o humor elevado ou deprimido duraria semanas ou meses, manifestando-se todos os dias ou quase, na maior parte do tempo, sumindo depois?

No humor deprimido, não procure apenas tristeza, mas também isolamento social; ideias relacionadas à morte, não necessariamente suicídio; ansiedade; sintomas físicos, como dores ou doenças, dos quais a pessoa observada não se queixava antes; etc.

Tanto no humor elevado como no deprimido, procure observar alterações no apetite, no sono. Pergunte-se o que muda na vida afetiva, social e sexual dessa pessoa quando você nota o humor elevado e o humor deprimido. A autoestima aumenta? Diminui?

Se identificarmos esses três períodos (de “humor elevado”, de “humor deprimido” e de “vida normal”), poderíamos nos perguntar sobre um diagnóstico de transtorno bipolar. Mesmo assim, ainda haveria muito para levar em conta. Duração e intensidade das fases, consequências na vida do paciente, ausência de certas outras enfermidades, etc. são pontos chave para dizermos se essas alterações de humor podem ser transtorno bipolar ou não. Porque nem toda variação de humor é enfermidade, e nem toda enfermidade caracterizada por variações de humor é transtorno bipolar.

Ainda assim, entre uma fase e outra, não há necessariamente períodos de vida normal. Para não falar de bipolares do tipo I que só experimentam fases de euforia. Neste último caso, já não veríamos períodos de humor deprimido. Nem todos os bipolares passam por crises de depressão.

Para terminar, devo ressaltar que neste exemplo estivemos falando de “humor elevado” ou “euforia” como sendo, necessariamente, uma fase de mania, para que este exemplo de bipolar fosse o mais fácil possível de identificar.

Ainda assim, mesmo escolhendo um exemplo mais “fácil”, devemos lembrar que as comorbidades não são nenhuma raridade no transtorno bipolar, e a realidade costuma ser bem mais complexa que este exemplo simples.

As comorbidades, para entendermos isto melhor, são doenças que aparecem ao mesmo tempo que outras, sem que um diagnóstico exclua o outro. Daí que, se um bipolar também sofre de TDAH, sobram poucos sintomas que só dizem respeito ao transtorno bipolar propriamente. Porque muitos sintomas de ambas as doenças são iguais. Em outras palavras, não seria impossível “enxergarmos” só o TDAH ao olharmos “distraidamente” para um bipolar que tivesse o TDAH como comorbidade.

No caso de bipolares do tipo II (agora estamos falando de fases de hipomania e de depressão), os períodos de “humor elevado” seriam menos notáveis, menos “visíveis”. E nem começamos a falar de TAB SOE, aquele em que os episódios são inespecificados, isto é, não se manifestam tão claramente, seja com respeito à duração, seja com respeito à presença de todos os sintomas.

Ainda que nem todas as variações de humor caracterizem uma doença, há variações de humor sutis capazes de caracterizar o transtorno bipolar ou outra enfermidade.


Como se alternam as fases de depressão e de euforia?

As fases de depressão e de euforia não se alternam, ou nem sempre se alteram, tão regularmente como muitos pensam. Você já sabe que os bipolares podem ter períodos de vida normal entre uma fase e outra. Um bipolar pode passar por uma fase de depressão, depois por outra, até que passe por uma de euforia, havendo ou nem sempre havendo períodos de vida normal entre fases diferentes.

Veja como um bipolar do tipo I pode passar pelas fases de mania e de depressão:
Fase de depressão à período de vida normal à fase de mania à período de vida normal à fase de mania

Outro exemplo:
Fase de depressão à fase de mania à período de vida normal

Mais um exemplo, levando em conta apenas fases de mania:

Fase de mania à período de vida normal à fase de mania


TAB-IA

Agora, o que dizer do transtorno bipolar na infância e na adolescência?

Na infância, não há os ciclos que há no TAB adulto; e o transtorno bipolar na adolescência costuma ser um meio-termo entre TAB na infância e TAB adulto. É mais comum que adolescentes tenham episódios inespecificados (de que já falamos acima) e sintomatologia mista (sintomas de euforia e de depressão que se manifestam ao mesmo tempo ou se alternam de determinado modo).

Ainda assim, há ou parece haver uma mudança nos sintomas de bipolares adolescentes que chegam à idade adulta. Essa mudança, grosso modo ou mal comparando, parece ser o “caminho inverso” do que vemos em bipolares adultos quando o TAB se agrava e tende a episódios mistos e a ciclos rápidos.


Os sintomas não são sempre os mesmos?

Talvez aqui tenhamos chegado ao ponto mais importante. Os sintomas do transtorno bipolar podem mudar muito, mesmo que estejamos falando do mesmo indivíduo. Um bipolar do tipo II pode vir a receber o diagnóstico de “bipolar do tipo I” a qualquer momento, desde que venha a ter uma crise maníaca ou mista.

Um bipolar do tipo I, que sofre com crises de mania e de depressão, também pode passar por uma fase mista a qualquer momento. Já não estaríamos falando apenas de fases de depressão e de mania, mesmo que continuássemos falando do tipo I...

Igualmente, um bipolar que sofre de episódios inespecificados pode passar por episódios especificados a qualquer momento, de modo que deixaríamos de falar de TAB-SOE e passaríamos a falar de TAB I ou II.

O diagnóstico de ciclotimia também pode vir a ser substituído pelo de TAB.

O transtorno bipolar pode variar bastante, de uma hora para outra, ainda que estejamos falando do mesmo paciente. Os sintomas podem mudar. As fases podem mudar. Os ciclos podem mudar. O diagnóstico pode mudar. Tudo pode mudar, ainda que estejamos falando da mesmíssima doença e do mesmíssimo paciente. Um camaleão seria visto mais facilmente...

Sendo assim, onde está Wally? Há milhões deles por aí, quase invisíveis, mas identificáveis... Em outras palavras, por que os bipolares da vida real não são como imaginamos? Entretanto, se não os imaginamos corretamente, quem nos deu essa visão equivocada dos bipolares?


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2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
RSR disse...

Obrigada Breno. !8 a menos é uma vitória. O blog ajuda e muito, seu blog ajudou e ajuda demais. Não comento muito mas leio. Bjs