[Que tem a ver com o post "Modelos de Felicidade"]
Ela já amou
Uma vez,
Duas,
Três... muitas.
Mas ela sabe, decide
Que é preciso não sofrer
Ou, pelo menos,
Sofrer e não acomodar-se.
Os arranhões na carne
São do caminho,
Dos espinhos do caminho.
Mas a felicidade está mais adiante
E é preciso não estacar,
Não sangrar de todo
No meio do caminho.
São estrepes apenas,
Ainda que machuquem muito.
Ela ama e pensa que é definitivo,
E concorda com Proust
"Que não se ama senão uma vez",
E depois desama e volta a amar.
Dessa maneira,
Ela entende que o coração não se fecha de todo.
Ou, ainda,
Não se fecha eternamente de todo.
E já diverge de Proust.
Ela, na verdade, não conhece Proust,
Nem sabe Francês,
Mas já pôs o coração à prova muitas vezes
E conhece a vida.
"Le Temp Retrouvé" dela
Seria muito maior
Que o de Proust
Embora ela seja jovem ainda.
Ela vive como quem corre contra o tempo;
Num dia acha mil dias
E assim age para satisfazer mil vontades,
Milhões de sonhos.
Ela deseja aproveitar a ocasião,
Num "carpe diem" mais vulgar que filosófico
(Horácio que a perdoe).
Beijar enquanto tem vontade.
E ela beija,
Dá muitas vezes.
Vulgarmente dá.
Pensar muito é perder tempo
E ela segue adiante desse modo.
Talvez ela gostasse de ler Proust
Se achasse um livro pequeno,
Algum que fosse muito fino.
Mas, na verdade, ela pouco lê.
Um livro toma tempo
E ela quase sempre está com pressa,
Impaciente.
Para ela uma frase basta,
Uma frase de efeito.
Ela faz o que lhe convém
No momento atual,
Ainda que isto não lhe seja
O melhor para o futuro
Ou para a vida inteira.
E o futuro sempre chega
E nunca lhe é bom,
Agradável o bastante.
Ela se agarra ao presente,
Pensa que talvez
Não tenha uma vida inteira.
Há muito já com o que se preocupar
E no fundo,
No que diz respeito a querer de verdade,
Ela sempre foi meio preguiçosa.
Ela mesma o sabe.
Ela faz muitas coisas às pressas
E pouco pensa a respeito;
Quase nunca se arrepende,
Nunca pede desculpas.
Ela, sozinha,
Nunca faz nada importante,
Porque no fundo é insegura, incapaz,
Ainda que se esforce para mostrar o contrário;
Porque precisa que os outros trabalhem para ela;
Porque precisa de alguém em quem pôr a culpa
Se alguma coisa sair errada.
Ela nunca tem culpa;
Está sempre certa.
Ela é muito vaidosa
E age assim
Porque a beleza que tem é tudo
De que possa valer-se na vida.
A beleza é sua única herança...
A bem dizer,
Não é muito bonita,
Mas usa a beleza que tem
Para prometer recompensas
A quem lhe for útil.
E para isso,
Para as pequenas coisas de que mais precisa,
Essa beleza lhe basta.
Não é bonita em excesso
Nem feia o bastante
E o flerte é sua moeda corrente
Para comprar pequenas gentilezas,
Um favor
Ou um maço de cigarros.
Ela já amou
Uma vez,
Duas,
Três... e já entendeu
Que amar dessa forma
É uma rotina
Para quem não sabe o que quer,
Para quem não sabe ler
O próprio coração.
E assim ela faz,
Está sempre a amar
Um depois do outro
Infinitamente
(Ou vários a um só tempo
Sem amar ninguém de verdade).
Ainda que só faça o quer o tempo todo,
Está sempre insatisfeita
No final das contas.
Gosta e desgosta
E já não entende bem
Quando ama,
Quando sofre
Ou quando deixa de amar,
De sofrer.
Para ela
Já é tudo tão repetido
Que não procura prestar atenção
Ao que sente,
Ao que vai em seu coração...
E, se alguma novidade lhe vem,
Já presume que o Novo
Seja igual ao Velho
Para não dar-se ao trabalho da análise,
O de compreender,
O de parar e pensar.
Ela quer felicidade agora;
Não sabe construí-la.
Ela não se dá ao tempo;
Tem pressa
E em sua pressa há que caber mil coisas.
Ela já amou muitas vezes
E agora quer apenas alguém.
3 comentários:
Muito obrigada pelo seu comentário, Breno :)
"Ela já amou muitas vezes
E agora quer apenas alguém."
As vezes me sinto assim. E mesmo que ja tenha amado alguém, é como se não tivesse amado ninguém. O vazio que esse ALGUÉM me deixa cobre qualquer amor antigo!
oi tudo bem
Tô vendo seu blog, muito lindo!!!
Já estou te seguindo
Beijos
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