Tradução de Castro Alves
Não, não te assustes: não fugiu o meu espírito.
Vê em mim um crânio, o único que existe
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.
Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri;
Que renuncie a terra aos ossos meus.
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus olhos.
Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora eu;
Substituto haverá mais nobre que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?
Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.
E por que não? Se as frontes geram tal tristeza
Através da existência — curto dia —,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.
2 comentários:
"""Versos inscritos numa taça feita de um crânio?""" Vc sempre escolhe os melhores poemas...
A objetividade destes versos, bem como os versos em si, sejamos sinceros, são de uma coragem digna de reverência. Não falo da coragem de escrever no crânio de um defunto, o que poderia ser de alguma forma assustador, mas da coragem de dizer e completar pertinentemente o que tantos repetem: viva e aproveite.
É claro que há muito mais do que esta idéia nos versos, por isto mesmo digo que o autor completou pertinentemente, corajoso ao sugerir que, por mais que as pessoas digam "viva intensamente, aproveite", esta intensidade toda faz-se também de tristeza.
Postar um comentário