Recentemente, li a notícia de que S*, uma mulher de 31 anos, tentou suicídio. Uma amiga de S* disse ao jornal que S* era bipolar e já havia tentado suícidio antes.
Depois da palavra bipolar, aparecia, entre parênteses, esta explicação: alterna momentos de tranquilidade com outros de pertubação mental.
A matéria no jornal era pequena, procurava descrever a tentativa de suicídio e, não, explicar o que é Transtorno Bipolar. Obviamente, não se tratava de um jornal ou de uma revista de Medicina.
Mas procuremos refletir. S* realmente teve um diagnóstico de Transtorno Bipolar, dado por um profissional competente? ou a palavra bipolar foi usada livremente, sendo a opinião da amiga de S*?
Sabemos que a palavra depressão ganhou um sentido popular. Muitas pessoas leigas a empregam como sinônimo de tristeza. Um bom médico, obviamente, faria distinção entre uma e outra. Talvez a palavra bipolar tenha um futuro parecido. Cada vez mais ela é usada pelas pessoas em geral, mas não com aquele significado médico que poucos conhecem...
A matéria do jornal também dizia que S* tomava vários remédios. Sendo assim, já poderíamos falar ao menos em depressão (no sentido médico, é claro!) unipolar, se tivermos em mente as duas tentativas de suicídio de S* e os remédios. Mas nossa pergunta ainda é: O diagnóstico partiu de um profissional competente? Parece que sim, mas afirmar são outros quinhentos...
Por ora, deixemos essa pergunta de lado; não empaquemos nela. Os remédios e a explicação entre parênteses sugerem que S* pelo menos recorria a um profissional da área.
Excluídos os bipolares e os profissionais da área, eu perguntaria: Que impressão os leitores leigos do jornal tiveram sobre o TAB ao lerem a matéria? Certamente, a ideia de suicídio ficou associada ao TAB, mas não a ideia de mania (se estamos imaginando um caso clássico de TAB, é claro!). Sendo assim, que diferença os leitores leigos terão em mente ao tentar diferenciar depressão e TAB?
Provavelmente, momentos de tranquilidade foi dito pela amiga de S* ou pelo jornalista com a intenção de se referir aos períodos de vida normal que um bipolar tem ou pode ter entre uma crise e outra. Mas o que ela ou ele tinha em mente ao falar em outros de pertubação mental? Provavelmente era uma referência à euforia (mania ou hipomania) ou até mesmo uma referência à depressão (especialmente se temos em mente a ideia de suicídio). Mas a grande pergunta é: O que os leitores leigos do jornal tiveram em mente ao ler a explicação entre parênteses? Para as pessoas leigas, a medida da imaginação delas provavelmente é a nossa resposta...
Daí podemos concluir que a palavra bipolar vem sendo mais usada que bem explicada, o que significa que ela não será bem empregada pela maioria das pessoas. Ou que não será empregada com aquele sentido que os médicos conhecem. Mas a culpa é dos jornais? De modo algum. Muito menos desse jornal acima, que, pelo tamanho da matéria, falou até muito sobriamente sobre o TAB, ainda que de maneira minguada.
O que acontece com as pessoas em geral, é que elas são informadas de maneira passiva (perdoe-me a redundância!). O que eu quero dizer com isso, é que as pessoas recebem as informações que a mídia lhes oferece, na medida, proporção e frequência que a mídia acha conveniente. Pouquíssimas pessoas se informam de maneira ativa, isto é, tomando a iniciativa de buscar informação segundo suas necessidades e, não, segundo as da mídia.
Mas a mídia é a vilã? De maneira alguma. Ela presta um serviço (isto é, oferece informação) na medida em que as pessoas se dispõem a aceitar esse serviço. Não podemos culpar a mídia sem, antes de tudo, culpar-nos a nós mesmos...
Deveríamos nos informar por conta própria se esse assunto é de nosso interesse. E, se não é, por que exigiríamos da mídia que ela nos informasse melhor sobre o assunto?! Não faz sentido.
O que deveríamos exigir da mídia, obviamente, é informação clara e precisa, sem resumos que confundam mais que esclareçam. Pouca informação ou informação pela metade pode ser mais prejudicial que informação nenhuma.
Os jornais costumam ter os seus manuais de estilo ou redação, isto é, regras que os jornalistas devem seguir para que suas matérias se adaptem à linha editorial do jornal. O jornal O Globo, por exemplo, não costuma noticiar suicídios, a não ser que se trate de pessoa conhecida. Sendo assim, uma boa regra que todos os meios de comunicação (jornais, rádio, TV, etc.) poderiam adotar (e alguns já parecem adotá-la) é esta:
Não importa o assunto em questão (Medicina, Culinária, etc.), o meio deve reservar um espaço mínimo para explicar qualquer conceito ou remeter o leitor, ouvinte, telespectador, etc. a outra fonte de informação relevante. Do contrário, é como tentar responder àquelas questões do Vestibular, que pedem:
Explique as Grandes Navegações, cite seus maiores nomes, conte a História do Brasil desde a Colônia, ressaltando a importância das Capitanias Hereditárias, citando todos os donatários, analisando depois a Monarquia Brasileira comparada com a inglesa, falando a seguir, sobretudo, a respeito da Era Vargas inserida no contexto do século XX e da Segunda Guerra Mundial. Você tem 1 linha para responder.
Pois é! Sem espaço para explicar, não há explicação que, por si só, esclareça alguma coisa... Não quero dizer, entretanto, que os jornais devam explicar o que é TAB como se fossem um livro de Medicina, ou que devam fazer um documentário, a não ser, é claro, que desejem produzir uma matéria especial sobre o assunto...
Desse modo, podemos concluir que a palavra bipolar já vai sendo assimilada pela população, mas que nem sempre é bem empregada pela maioria das pessoas. Provavelmente a palavra bipolar terá um sentido tão diverso do sentido médico quanto as palavras mania e depressão têm quando usadas no popular.
O jornal acima é de Angra dos Reis; não tem o alcance que os grandes jornais têm. E ainda assim foi até bastante sóbrio ao falar sobre o TAB. Pois é! A coisa não está tão feia assim...
PS- Como não é minha intenção incentivar ninguém ao suicídio, não entrei em detalhes descrevendo a tentativa de S*. A matéria do jornal foi apenas um ponto de partida para refletir sobre Transtorno Bipolar e Imprensa.
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