Um bom psiquiatra ou psicólogo se vale não só de relatos do paciente e de seu comportamento duante as consultas, mas também de documentos como diários, cartas, fotos, desenhos, poemas, letras de música, testemunhos de parentes e amigos, etc.
No diário, se ele é atualizado com frequência, haverá trechos escritos durante as fases de mania e de depressão, e também trechos escritos durante os períodos de vida normal, se por acaso eles existam e constem do diário. Com sorte, se o bipolar começou com o diário antes mesmo do surgimento do TAB, teremos outro período relevante de sua vida, que, certamente, interessará a um bom psiquiatra ou psicólogo.
Um psiquiatra ou psicólogo pode consultar esse diário a qualquer momento, reunindo os elementos essenciais a um diagnóstico e também aqueles elementos interessantes ou curiosos, raros ou nunca vistos em Literatura médica, procurando caracterizar ou descaracterizar as fases de mania e de depressão, ou quaisquer fases que possam caracterizar o TAB; ainda que, de ambos os profissionais, só o psiquiatra realmente possa dar o diagnóstico.
Um bipolar, entretanto, verificará esses momentos mais facilmente durante seus períodos de vida normal, relendo seu diário bipolar. Então ele perceberá como pensava, falava e se portava durante as fases de mania, por exemplo, e terá uma visão de si mesmo que não teve ou não pôde ter durante essa fase. Mais ainda, o bipolar notará como os seus textos variam entre as fases de mania e de depressão; e esse contraste entre os textos de uma fase e outra realçará a diferença entre eles, tornando essas variações ainda mais perceptíveis, inclusive, aos olhos do leitor leigo.
Durante uma fase de mania, não é surpresa que o bipolar escreva textos maiores, frases mais longas, com menos pontuação, isto é, com menos pausas como se falasse quase sem parar. Isso acontece especialmente com aquelas pessoas que escrevem como falam, o que é muito comum quando não se recorre a técnicas ou a recursos que afastam a linguagem escrita da linguagem falada. É o que acontece com 99,9% das pessoas, bipolares ou não.
Ainda assim, não seria numa fase de mania que um bipolar empregaria essas técnicas ou adotaria esses recursos de maneira 100% fria. Sabemos que um bipolar, durante uma fase de mania, procura fazer tudo exatamente como deseja, buscando passar por qualquer obstáculo que lhe tolha a realização de sua plena vontade. Isso inclui a sua maneira de escrever, que provavelmente não se deterá diante de regras e fórmulas literárias, a não ser que estejamos falando de um Ernest Hemingway, acostumado desde cedo a escrever, seja como jornalista, seja como romancista.
Romances: Hemingway
Ainda assim, mesmo num caso como o de Hemingway, também podemos encontrar elementos em sua obra que falem a favor de um diagnóstico de TAB. Como eu dizia acima, tudo o que um bipolar produz (quanto maior o conjunto de obras produzidas, melhor) pode ajudar a caracterizar ou mesmo caracterizar o TAB.
Pintura: Van Gogh
O diário de Van Gogh, obviamente, não era de papel nem eletrônico. Era de tecido. E ele escrevia com pincéis...
Se tivermos em mente o caso de Van Gogh, outro bipolar famoso, eu falaria algo sobre sua tela Campo de Trigo com Corvos (a imagem reproduzida abaixo). Ela possui elementos muito fortes que confirmam ou ajudam a confirmar o TAB de Van Gogh. O campo de trigo, tão vivo e tão alegre, nos lembra a mania. O céu, negro e sombrio, com corvos, nos lembra a depressão.
Ainda há algo nessa tela, entretanto, que me chama a atenção. É o caminho que atravessa o campo de trigo em direção do horizente, até sumir. O que, exatamente, esse caminho significa? Opções: 1) é uma simples parte da paisagem pintada por Van Gogh; 2) é o elemente que liga as duas fases, a de mania e de depressão; 3) é o caminho que o bipolar percorre entre uma fase e outra, e não tem a ver com o TAB; 4) é o caminho que todos fazemos nesta vida, ou seja, é o livre-arbítrio até onde o TAB permite que um bipolar o exerça; 5) Van Gogh não pensou em nada disso enquanto pintava a tela.
Provavelmente a opção 5 é correta, o que não exclui, entretanto, a possibilidade de o caminho ter algum significado...
Campo de Trigo com Corvos é tida como a última tela de Van Gogh e, como eu disse, aquela que melhor representa ou representaria o seu TAB.
Letras de música: Cazuza
Com base nas letras das canções que Cazuza compunha, podemos falar sobre um diagnóstico de TAB. Obviamente, há outros elementos que devem ser levados em conta, como sua biografia, o relato de sua mãe e amigos, etc.
O que eu quero dizer, veja bem, é que assim como um diário, as letras de música que um bipolar compõe podem falar bastante a favor de um diagnóstico de TAB; mas não devem ou não deveriam ser os únicos elementos a observar se temos outros para levar em conta.
Letras de música e pequenos poemas esporádicos não são extamente textos longos como os que vemos em romances de 100 ou 200 páginas. Um romance, não só pela extensão da obra, seria mais rico em elementos para análise. Haveria cenas concretas, diálogos, adágios, monólogos, metáforas, etc., na medida em que o romance fosse rico em variações.
Ainda assim, é ingenuidade pensar que todo poema, por exemplo, é uma biografia. Pensar assim, é menosprezar o artista, porque o bom artista cria, ainda que possa recorrer à sua biografia para realizar tal tarefa. Devemos observar, antes de tudo, como ele se expressa e, não exatamente ou nem sempre, o que ele expressa.
Outros documentos
Acima, eu também falava de outros documentos. Talvez as fotos sejam o que mais possam causar estranheza ao leitor deste blog. Mas explico:
A maneira de se vestir também dirá muito sobre o paciente. E pelas fotos poderemos ver isso em vários momentos, especialmente se as fotos compreendem um período de tempo realmente grande.
Seja como for, qualquer foto é útil, especialmente fotos que mostrem o paciente dentro de um contexto. Podemos compará-lo às outras pessoas que aparecem na foto e ver se sua expressão facial, por exemplo, é proporcional ou adequada à ocasião. Podemos ver, também, se sua maneira de vestir é adequada à ocasião ou exagerada.
Sei que cada pessoa tem a sua maneira de vestir, que umas são mais exageradas ou mais recatadas que as outras. Mas o vestuário não deixa de ser um reflexo do comportamento humano ou um espelho do humor das pessoas. Uma roupa pode ser tão extravagante como uma crise de mania ou como a maneira de falar de um bipolar durante essa fase. Como se vê, não se trata apenas de uma questão de gostos.
Em todo caso, um bom psiquiatra ou psicológo recorrerá ao maior número possível de documentos e testemunhos. Quanto mais elementos para analisar, menores serão as possibilidades de erro.
Procurar abranger o maior período possível da vida do paciente também é excelente, especialmente se podemos saber como ele se comportava antes do surgimento do TAB. Em poucas palavras: Qual é o seu temperamento de base? Ele aparece entre uma crise e outra tal como era antes do aparecimento do transtorno bipolar? Do contrário, e se o paciente não está em crise, o que temos?
Já falei em outro post que há sintomas leves que costumam flutuar entre uma crise e outra, e que isso costuma acontecer em metade do tempo.
Consultas
Se você deseja ir a um profissional e perguntar sobre um possível diagnóstico de TAB para você ou para um parente, reúna o maior número possível de elementos.
Obviamente, se você pergunta a um profissional se seu namorado ou amigo é bipolar, ele não poderá te dar um diagnóstico à distância, sem a presença de seu namorado ou amigo. Mas assim ele já poderia te aclarar algumas dúvidas, e você, certamente, ficaria mais à vontade para insistir com aquele namorado ou amigo cabeça-dura sobre uma ida a um profissional.
Não roube, é claro, o diário de ninguém se você pretende seguir esse meu conselho acima. No máximo, tire uma xérox do diário se realmente for por uma boa causa! Não deixe seu superego te intimidar. Às vezes, meu caro leitor, o id é muito mais prático e eficiente que qualquer gênio imaginado, ainda que mereça um bom sermão ou umas boas palmadas no traseiro...
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2 comentários:
Interessante teu blog,Breno.
Fala sobre artes,poesias,músicas de uma forma diferente do que tenho visto.Gostei :)
Te agradeço pela visita,viu?
Abraço.
Oi Breno
obrigada por me seguir e pelo comentário generoso. Sinto que faremos trocas brilhantes, você tem pensamentos densos, muito bons!
E sem a intenção de polemizar nada, muito menos discordar o criticar sua opnião a respeito do sentido da vida, já que isto é algo extremamente pessoal, e não existe aí certo e errado. Discordei apenas e unicamente da questão que a maioria dos filósofos pensam de tal forma, coincidentemente tinha ligo aquele artigo que explicita bem as variáveis de opniões a esse respeito e nele a maioria dos filósofos pesquisados e não só a maioria das outras personalidades, demomstrou ver um sentido na vida em contraponto com a sua afirmação a esse respeito, então discordei de seu texto só neste ponto em seu último parágrafo e não discordei da sua forma de pensar, somos livres e pensamos de forma única, as vivências de cada um os diferencia.
No mais "só sei que nada sei", quem sabe do que eu citei foi o pesquisador não eu.
Seja sempre bem vindo, estarei sempre por aqui.
Beijos!
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