Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
Álvaro de Campos
3 comentários:
Gostei.Conheço pouco FP.
Beijo.
Não entendo muito de poesia.
Mas me faz bem ler.
Abraço Cynthia
"Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio."
Isso acontece tantas vezes. Não só com comidas, mas com pessoas. Esperamos uma coisa, recebemos outra. Temos que lidar o que recebemos ou reclamar e perder o prato frio.
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